domingo, 4 de agosto de 2013

Saravá

"Na realidade, sabemos que não podemos subsistir de verdade se sorvermos a vida em goles mínimos."   [Clarissa Pinkola Estés. Mulheres que correm com os lobos]

Sim, por um tempo me fechei. Num baú. Ou fundo de gaveta. Numa lágrima silenciosa. No esconderijo da alma. Fechei a porta de acesso a mim, minha força criativa, meus desejos vitais.
Sim, eu fiz silêncio. Acreditei que era melhor assim. Que tinha de ser. Que me ajudaria a te ouvir melhor. Era o que todos pareciam dizer. Eu calei e fiz fogueira. E descobri que existem dois fogos: o que cria e o que dizima. Ardi. Senti a pele queimando por dentro, e não havia labaredas ou testemunhas. Havia eu, apenas, sozinha em uma dor ardida que parecia não querer parar de doer.
Sim, eu tive fome. Ainda tenho. "Hambre del alma".
Sim, eu esperei. Na janela da alma o seu aceno, o seu olhar, o seu adeus, o seu regresso. E me mantive de pé, à espera do que jamais viria, porque nunca foi, jamais existiu.
Sim, foi sonho. Pesadelo. Idílio. Passagem. Passou.
Hoje eu me dei conta, sim. De tudo. De cada porta fechada. De cada palavra guardada. De cada receio de abrir o peito. E isso custou caro. Tem custado. Tem sido o preço do despertar. Do regresso da vontade acima da conveniência ou da norma. Da conquista do espaço que eu esqueci de reservar para mim mesma, meus instintos de criar, rodopiar, dançar e cantar.
A gente tem som. A gente tem vida. A vida nos espera sempre, para sempre.
Ela nos quer. Sorver. Lamber. Beber. Rasgar. Renovar. Costurar. Untar. Cuspir. Parir. Ir. Voltar. Ser.
E somente quando o segredo emerge, furioso, é possível entender que com a alma não se brinca.
Que sua força é incontrolável. Que vem do num-sei-onde. Que ela conta tudo, espreita, sabe e vê quem somos e no que tentamos nos transformar em troca de migalhas.
Não nascemos para migalhar nada, de ninguém, por ninguém. Migalhar é sinônimo de ausência. Falta de fé no muito, no tudo, no que é amplo. Vida é feita de amplidão. Alma é feita de amplidão.
Falta olhar ao redor, pro alto, pra cima e se dar conta. Das portas abertas, dos acessos, das escadas e janelas, das frestas, brechas, pistas. Os caminhos estão por aí com suas pegadas. É questão de perceber. E ir. É assim que a alma gosta. De ir seguindo em frente. Abrindo suas próprias portas. Achando atalhos. Caindo. Aprendendo a se erguer. Deixando poeira e tristeza pra trás. Saciando a sede. Entendendo que nem todo mundo está pronto pro salto. Que tem gente que vai sentir raiva, inveja e vai tentar parar o seu sopro.
Ainda assim: segue. Porque Alma gosta mesmo é de peito aberto.
Ah, respira... fundo. Feito oceano. Lá do num-sei-onde. Sem cerimônia, sem certo ou errado, feio ou bonito.
A única respiração possível. A singular expressão. Irrepetível. Insubstituível.
Sim, somos ímpares. Inigualáveis. Valiosos. Brindáveis.
A cor e a vida montaram campana e me reapanharam. Porque esta é a minha verdade. Essência.
Do riso, da cor, da festa nas veias e de pouco pavio mesmo. Do olhar apurado. Do nariz sem pose. Do abraço quente.
Do coração aberto. Mas com o corpo fechado.
Saravá!

Um comentário:

Anônimo disse...

Essencial.