domingo, 18 de agosto de 2013

Frescura


Frescura boa é essa da alma.
Que deixa tudo mais leve e vai fazendo espaço.
Feito dia de faxina, que se faz poeira só pra depois assentar.
Respirar é fundo, pra dentro. Pra encontrar a vida, a fibra que me move, sagrada.
Frescura é meu sentimento de alívio por ter achado a porta. Uma.

As respostas ou as pergunta parecem distantes, porque meu vôo é mais alto.
Mais alto que o grito do medo, que as náuseas da ansiedade, que a dor do conflito.
Aqui é fresco e estou em paz. Redescobrindo meus pequenos presentes. Fazendo um novo caminho para chegar em casa.

Frescura é meu cabelo voando junto com o vento, cheio de asas. E lá se vão minhas ideias.

Vida longa ao sonhos que me aninham.
Vida longa à inquietação de fazer mais sentido.
Vida longa à inteireza que me mantém eu.
Vida longa aos desafios que vão se tornando monstros menores e cada vez menos amedrontadores.
Vida longa aos invernos que nos fazem recolher, despregar e morrer.
Vida longa às chances de renascer com os olhos esbugalhados, cheinhos de viço.
Vida longa às cores que me receberam de volta.
Vida longa a você que me esperou pacientemente e a você que eu sequer imaginava.
Vida longa às montanhas e aos vales que nos fazem aprender humildade na prática.
Vida longa.
Vida. Para mim e para você, que me lê.

domingo, 4 de agosto de 2013

Saravá

"Na realidade, sabemos que não podemos subsistir de verdade se sorvermos a vida em goles mínimos."   [Clarissa Pinkola Estés. Mulheres que correm com os lobos]

Sim, por um tempo me fechei. Num baú. Ou fundo de gaveta. Numa lágrima silenciosa. No esconderijo da alma. Fechei a porta de acesso a mim, minha força criativa, meus desejos vitais.
Sim, eu fiz silêncio. Acreditei que era melhor assim. Que tinha de ser. Que me ajudaria a te ouvir melhor. Era o que todos pareciam dizer. Eu calei e fiz fogueira. E descobri que existem dois fogos: o que cria e o que dizima. Ardi. Senti a pele queimando por dentro, e não havia labaredas ou testemunhas. Havia eu, apenas, sozinha em uma dor ardida que parecia não querer parar de doer.
Sim, eu tive fome. Ainda tenho. "Hambre del alma".
Sim, eu esperei. Na janela da alma o seu aceno, o seu olhar, o seu adeus, o seu regresso. E me mantive de pé, à espera do que jamais viria, porque nunca foi, jamais existiu.
Sim, foi sonho. Pesadelo. Idílio. Passagem. Passou.
Hoje eu me dei conta, sim. De tudo. De cada porta fechada. De cada palavra guardada. De cada receio de abrir o peito. E isso custou caro. Tem custado. Tem sido o preço do despertar. Do regresso da vontade acima da conveniência ou da norma. Da conquista do espaço que eu esqueci de reservar para mim mesma, meus instintos de criar, rodopiar, dançar e cantar.
A gente tem som. A gente tem vida. A vida nos espera sempre, para sempre.
Ela nos quer. Sorver. Lamber. Beber. Rasgar. Renovar. Costurar. Untar. Cuspir. Parir. Ir. Voltar. Ser.
E somente quando o segredo emerge, furioso, é possível entender que com a alma não se brinca.
Que sua força é incontrolável. Que vem do num-sei-onde. Que ela conta tudo, espreita, sabe e vê quem somos e no que tentamos nos transformar em troca de migalhas.
Não nascemos para migalhar nada, de ninguém, por ninguém. Migalhar é sinônimo de ausência. Falta de fé no muito, no tudo, no que é amplo. Vida é feita de amplidão. Alma é feita de amplidão.
Falta olhar ao redor, pro alto, pra cima e se dar conta. Das portas abertas, dos acessos, das escadas e janelas, das frestas, brechas, pistas. Os caminhos estão por aí com suas pegadas. É questão de perceber. E ir. É assim que a alma gosta. De ir seguindo em frente. Abrindo suas próprias portas. Achando atalhos. Caindo. Aprendendo a se erguer. Deixando poeira e tristeza pra trás. Saciando a sede. Entendendo que nem todo mundo está pronto pro salto. Que tem gente que vai sentir raiva, inveja e vai tentar parar o seu sopro.
Ainda assim: segue. Porque Alma gosta mesmo é de peito aberto.
Ah, respira... fundo. Feito oceano. Lá do num-sei-onde. Sem cerimônia, sem certo ou errado, feio ou bonito.
A única respiração possível. A singular expressão. Irrepetível. Insubstituível.
Sim, somos ímpares. Inigualáveis. Valiosos. Brindáveis.
A cor e a vida montaram campana e me reapanharam. Porque esta é a minha verdade. Essência.
Do riso, da cor, da festa nas veias e de pouco pavio mesmo. Do olhar apurado. Do nariz sem pose. Do abraço quente.
Do coração aberto. Mas com o corpo fechado.
Saravá!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Inverno turbulento

 
E o inverno chegou trazendo um remeximento danado.
Arrancamos raízes antiquíssimas de sentimentos remoídos por gerações e sangramos.
Agora o convite de olhar para dentro em busca de sentido e direção.
 
Acomoda que a resposta vem no tempo, no susto da aparente morte.
 
Inverno é tempo de alquimia. Sabemos que algo acaba, mas o novo ainda não nasceu também. É tempo de deixar morrer o que não cabe mais e ter paciência, ouvir o que o espírito sussurra nos intervalos entre um som e outro. As respostas estarão escondidas. Ao menos por enquanto.
 
O renascimento carece de tempo e silêncio para operar. A oficina toda é por dentro agora. Inverno é tempo de alquimia. Que sejamos felizes.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

salto alto


Nunca gostei dos de bico fino ou salto muito alto.
Nem pensar aqueles que apertam os meus dedinhos ou deixam a planta do pé compactada, feito aqueles pacotes de comida a vácuo.

Entendo que é charmoso e tal.
Deixa a gente mais elegante; traz presença, um certo ar de poder...
Uso alguns, mais baixinhos e cada vez menos amiúde. Mas, na boa, e o prazer de um chinelinho macio de dedo? Um tênis confortável ou mesmo os sapatinhos menos femme fatale que te trazem um sorriso irresistível no rosto?

Sim, ando cansada dessa coisa toda, muito fake por muito tempo.
Outro dia, eu ia andando e vendo uma mulher tentando sofridamente  se equilibrar encima de uns saltinhos palito na calçada. Senti pena. Duvido que ela estivesse feliz. Du-vi-do.

Definitivamente, prefiro o conforto à sedução.Toda a avidez pela feminilidade perdida tem seus limites.

Pés foram feitos para sentir o chão, fazer contato. Quanto mais chão eu piso, mais real eu sou.
Os saltos são o avesso disso. E é por isso que o glamour precisa tanto deles. E eu, cada vez menos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

arte de ser pássaro



A música da vez é Blackbird, dos Beatles.

Além da melodia extremamente doce, comecei a viajar na letra.
E foi susto e delícia.
Pensar que ser livre é muito mais uma questão de olhos do que de asas...
Imagina?
Tomar de volta a responsa que a gente deposita nos ombros do destino...
Entende?
Dar impulso para o vôo depende de achar céu ou nada feito...
O lance das asas, fortes ou fracas, longas ou curtas é consequência. Delas a gente cuida.
A visão a gente tem de cultivar. Dia após dia.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Acordo com o tempo ou quando meu floral funcionou

"És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho..."

 
Quem diria que um dia euzinha escreveria isso: fiz um acordo com o tempo.
A ansiedade que escavava meu estômago deu uma trégua e  aprendi a esperar.
Não tudo o tempo todo, claro.
Mas, peguei gosto por deixar as coisas caminharem com outro o ritmo: o delas.
E daí que o resultado é ter mais e melhor acabamento, arremate, refile, algo como um toque final.
Muito mais apurado do que a imaginação pede.
Muito mais criativo do que o sonho dita.
Bem melhor que a mais arrojada das previsões.
Com todos os entraves e surpresas que a nossa complacência insiste em esquecer.
E revestido com o prazer único de vir sob medida, e sempre com um bônus track reservado em alguma parte da trama.
O tempo é mesmo rei, que vai ditando suas normas e fluxos e caminhos.
E nós, súditos mortais, tantas vezes rebeldes, discordamos, querendo alterar roteiros. Arquitetamos saídas mirabolantes, vamos driblando uma coisa aqui e outra ali meio desengonçadamente. E nos achamos bem espertos, via de regra.
 
Mas, quem é rei nunca perde a majestade. E a gente vai descobrindo por A mais B, muitas vezes Z, que não dava mesmo; o jeito era saber esperar, aprender. E, entre um respiro e outro, admitir que nossa empáfia foi vencida, nossa pressa e o nosso ritmo impositivo apitaram nada frente ao que sua majestade, Tempo, determinou. Nunca para mostrar força, mas para exercer amor.
Hoje entendo que tudo o que tempo traz ou nega significa amor. Por nós, nossa história, nossos conteúdos, nossos poucos olhos. E ele, quando tantas vezes diz não, quer proteger, equilibrar, forçar avanços. E quando diz sim, quer nos tomar nos braços, fazer cócegas e dizer vai! É teu. Reconhece. Celebra.

"...tempo, tempo, tempo. És um dos deuses mais lindos."