terça-feira, 10 de novembro de 2015

Sem medo dos espaços ou o que aprendi com a descupinização ;)




Descupinizar. Sim, o verbo existe.
O que me leva a crer , consequentemente, que o verbo cupinizar também exista.

Minhas últimas duas semanas, em grande parte, foram dedicadas a todo o trabalho que envolve tirar bichinhos que se alimentam das coisas de madeira da sua casa; uma tarefa silenciosa e demorada que eles (cupins) exercem anos a fio com uma galhardia de Hércules. Como aparentemente nada está acontecendo na superfície, você mal imagina o estrago que pode estar sendo feito madeiras adentro por essas criaturas. E esse talvez seja o significado do verbo cupinizar, afinal.

O que posso dizer é que se paga um preço (normalmente BEM alto) pelos cupins que, inadvertidamente, alimentamos literal ou figurativamente. O processo funciona mais ou menos assim:
Primeiro: não damos atenção à sua existência;
Segundo: nunca nos parece tão grave assim; 
Terceiro: amanhã a gente pode resolver isso, afinal tem coisa mais importante acontecendo agora;
Quarto: acho que é só poeira, não parece cupim;
Quinto: e se a gente usar aqueles remédios de supermercado mesmo?
A lista de desculpas pode não ter fim…

E enquanto eu ia desocupando gavetas, armários, móveis e cômodos para dar cabo do irremediável, um mundo de reflexões se descortinou. Nossos processos internos acontecem exatamente como o de cupinizar: negando, postergando, tentando dar jeitinhos até que uma hora dói. Difícil e trabalhoso enfrentar o cansativo exercício de aceitar que sim: eles existem!

E quantas vezes estamos nós cupinizando a vida?
Negando e guardando raivas e amarguras silenciosas e corrosivas que nem se desconfiam na superfície?
Quantas palavras e sentimentos cupinizados, deixados para cuidar disso depois?
Sem falar do sem fim de objetos, utensílios e papéis que sempre parecem muito úteis e necessários.
Alô, alô: precisamos mudar! 

O que posso dizer é que a trabalheira é imensa, cansativa, parece interminável… mas, muito necessária.
No meio da zona que fica a nossa casa ou a nossa vida, é bem difícil encontrar belas e pacificadoras explicações para o caos instalado, fato. A vontade de sair correndo se torna cada vez mais atraente. Vamos fugir para onde haja um tobogã onde a gente escorregue?

Mas, alguns dias depois de passado o pior, o alívio é evidente. A vida ganha literalmente novos ares. E a gente se renova por dentro e por fora. E se pergunta: porque levei tanto tempo para fazer isso?
Pois é: passar a vida a limpo, especialmente quando se tem já um tanto de coisas para trás, dá uma preguiça de doer mesmo, mas a mim parece inevitável se você está na trilha da autoconsciência e auto-responsabilidade.

E nesse espírito de compreender, lá vou eu agora organizar o que a descupinização deixou: portas, gavetas, chão e teto escancarados. Nenhuma poeira sob o tapete adormeceu. E tudo por ser recolocado (ou não) em seu lugar. E aí se deu uma mágica absolutamente deliciosa para mim: re-descobrir que não precisamos de um sem número de coisas, que podemos viver tranquilamente sem metade do que amealhamos. Se menos coisas eu tenho, menos tempo dedico a elas e menos energia despendo com elas. Logo, me sobram duas coisas absolutamente essenciais: meu tempo e minha energia de volta! Querer menos não é querer inferior. É querer essência. É libertador.

Eu estabeleci esta permuta: menos coisas e mais espaço.
Sim, essa odisséia toda me falava silenciosamente sobre espaços. Que a mim sempre foram tão caros. Não gosto de objetos, plantas, pessoas ou situações espaçosas. Gosto de espaços. Vazios. Onde sempre pode caber algo que ainda não está. Gosto de existirem espaços não preenchidos que é por onde a vida flui, onde a música acontece, onde as estrelas movem, onde o inesperado se realiza e onde é possível ver.
Quem foi que disse que todo espaço existe para ser preenchido? A quem isso felicita, afinal? 
Existimos para muito mais do que para aquilo que nos colocamos. É preciso correr o risco de lidar com espaços vazios. É assim como lidar com as perguntas ou com o silêncio: como convites. E descobrir o escuro e o luminoso, o visto e o inimaginável, o limite e as mil e uma possibilidades. 

Por isso, por favor, descupinize a sua casa hoje mesmo. Descupinize a sua alma. E se faça um brinde.


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